O que realmente sentimos falta da infância

Quando falamos em saudade da infância, é comum ouvirmos que o que as pessoas mais sentem falta é a ausência de responsabilidades – uma época em que não precisávamos nos preocupar em pagar boletos, tomar grandes decisões ou lidar com as pressões do mundo adulto. No entanto, se olharmos mais profundamente, o que realmente faz falta é algo muito mais emocional e existencial: o sentimento de suficiência.

A suficiência, nesse contexto, pode ser entendida como a sensação de que somos suficientes exatamente como somos. Na infância, muitos de nós experimentamos um estado de conexão com o presente, uma autenticidade que não estava atrelada à necessidade de provar nada a ninguém. Vivíamos o momento com uma entrega genuína e, muitas vezes, sentíamos que nosso valor como pessoas não estava condicionado a conquistas, aparências ou expectativas externas.

Mas o que acontece ao longo da vida que nos desconecta desse sentimento? Por que, como adultos, frequentemente nos sentimos insuficientes, mesmo quando alcançamos metas e realizações significativas?

A perda da espontaneidade e a chegada das expectativas

Na infância, é natural que a espontaneidade e a curiosidade sejam parte do nosso dia a dia. Crianças brincam, criam e exploram sem medo de errar ou de serem julgadas. Esse comportamento vem de um lugar onde a suficiência é inerente: a criança se sente amada e aceita, pelo menos em um ambiente emocionalmente saudável, sem precisar provar seu valor.

Conforme crescemos, no entanto, começamos a nos deparar com expectativas sociais e culturais. Na escola, somos incentivados a competir, a tirar boas notas, a nos destacarmos. Em casa, muitos de nós ouvimos frases que reforçam a ideia de que nosso valor está atrelado ao que fazemos, e não ao que somos. “Se você se comportar, vou te amar mais” ou “Você só vai ser feliz se for bem-sucedido” são mensagens implícitas que podem nos acompanhar por toda a vida.

Esse processo gradualmente mina aquela sensação pura de suficiência que tínhamos na infância. Começamos a acreditar que precisamos ser mais, fazer mais e ter mais para sermos dignos de amor e pertencimento.

O impacto disso na vida adulta

Como adultos, carregamos essas crenças, muitas vezes inconscientes, e elas moldam nossas escolhas, relações e até mesmo nossa identidade. Sentir-se insuficiente pode nos levar a um ciclo de busca constante por aprovação externa: queremos o emprego perfeito, o corpo perfeito, o relacionamento perfeito, tudo na esperança de preencher aquele vazio que, na verdade, é a falta de reconexão com quem realmente somos.

No entanto, essa busca é exaustiva e, muitas vezes, frustrante. Afinal, a suficiência não pode ser encontrada em algo externo. Ela é um estado interno, um reconhecimento de que já somos completos e dignos, independentemente das circunstâncias externas.

Reconectar-se com o sentimento de suficiência

A boa notícia é que é possível resgatar o sentimento de suficiência que parecia tão natural na infância. Isso exige um processo de autoconhecimento e desconstrução das crenças limitantes que adquirimos ao longo da vida. Aqui estão algumas práticas que podem ajudar nesse caminho:

1. Pratique a autocompaixão

Muitas vezes, somos nossos piores críticos. Comece a observar como você fala consigo mesmo e tente substituir julgamentos por palavras gentis e encorajadoras. Lembre-se: você não precisa ser perfeito para ser digno de amor e aceitação.

2. Cultive a presença

Uma das maiores qualidades da infância é a capacidade de viver no presente. Práticas como meditação e mindfulness podem ajudar a trazer sua atenção para o aqui e agora, permitindo que você aprecie a vida sem as distrações das pressões externas.

3. Redefina sucesso e felicidade

Reflita sobre o que você realmente valoriza na vida. Sucesso não precisa ser medido apenas por realizações materiais ou profissionais. Para muitas pessoas, sucesso pode significar relações saudáveis, paz interior ou um senso de contribuição para o mundo.

4. Busque conexões autênticas

Relações baseadas em aceitação e vulnerabilidade podem ajudar a fortalecer o sentimento de suficiência. Compartilhar seus sentimentos e experiências com pessoas de confiança pode lembrar você de que não está sozinho.

5. Relembre sua criança interior

Reserve um tempo para se conectar com aquilo que trazia alegria na sua infância. Seja desenhar, dançar ou brincar, essas atividades podem ajudar a resgatar aquele sentimento de liberdade e autenticidade.

O que realmente sentimos falta da infância não é a ausência de responsabilidades, mas sim a presença do sentimento de suficiência. À medida que crescemos, as pressões externas e as crenças limitantes nos afastam dessa sensação, mas é possível reconquistá-la através do autoconhecimento, da autocompaixão e da busca por conexões autênticas.

Voltar à essência não significa abandonar as responsabilidades do mundo adulto, mas sim encontrar um equilíbrio onde possamos viver de forma mais leve e conectada com quem realmente somos. Afinal, nós já somos suficientes – precisamos apenas nos lembrar disso.

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Olá! Como vai? Que bom ter você por aqui!

Já já vou te responder.

Enquanto isso me passa seu nome por favor ☺️

Beatriz Setto Godoy